A decisão do tribunal
constitucional acerca do confisco dos subsídios de férias e de natal dos
funcionários públicos - dos que ganham mais de seiscentos euros por mês, porque
os outros escaparam ao roubo – tem motivado um conjunto de reacções deveras curiosas.
A começar pela do governo. Como era notório estava com a batata quente do
défice entre mãos, a necessidade de novas medidas era mais do que evidente e,
assim de repente, a solução é-lhe servida sem grandes custos políticos. Este
acórdão vem permitir-lhe aumentar o saque, atirando para outros a culpa de
medidas que teria, inevitavelmente, de tomar.
Depois as reacções dos
comentadores que pululam pelas televisões. Uma escassa minoria revelou alguma
lucidez na análise, mas a grande maioria reagiu com os argumentos simplistas de
quem não aprecia que lhe vão ao bolso. Pior do que isso foi o destilar de
veneno contra os funcionários públicos. Quase aquele tipo de conserva, “por
causa daqueles palhaços vou eu agora ter de pagar”. Coisa que se for eu a dizer,
que não passo de um alarve, não vem mal ao mundo, mas gente daquela, capaz de
fazer opinião – pelo menos entre os mais parolos – devia ter um bocadinho de
tento na língua.
As declarações a
propósito deste assunto atingiram um nível de burrice verdadeiramente
assustador. Incluindo as proferidas pelo líder parlamentar do ex-partido do
táxi. Fico-me apenas por uma, entre as inúmeras que se podiam citar, que ilustra
na perfeição a qualidade das elites pensantes e os conhecimentos que evidenciam
acerca do país que governam ou relativamente ao qual revelam um inquietante frenesim
opinativo. Para eles pode-se cortar dois meses de ordenado aos funcionários
porque estes não podem ser despedidos, ao contrário do que acontece no sector
privado. Os ignorantes desconhecerão certamente que na função pública existem
dezenas de milhares de contratados a prazo que, tal como os restantes
funcionários, são vitimas do roubo de dois meses de vencimento. Assim de
repente parece-me – se calhar é por não ter nenhum curso desses da moda – que a
estabilidade de um vinculo laboral titulado por um contrato a prazo, ainda que
outorgado com o Estado, é capaz de ser ligeiramente diferente, para pior, do
que um contrato de trabalho sem termo numa qualquer empresa. Mas isso sou eu
que, ao contrário dessa malta, ando a dizer há anos que cortar salários provoca
sérios estragos na economia.
Tocou num dos grandes males do país. Todos opinam sobre tudo e mais alguma coisa. Antigamente éramos todos treinadores de bancada, com a crise, por artes mágicas, proliferam os economistas de café. Nem sei como é possível com tanto sábio chegarmos onde chegámos...
ResponderEliminarSubscrevo as tuas palavras e o comentário de André Miguel!
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