domingo, 29 de abril de 2012

Emparedados


A nada ser feito – e nem desconfio o que se possa fazer – acredito, tanto quanto lamento, num futuro não muito longínquo este será um cenário que se generalizará nas cidades, vilas e aldeias do interior do país. A desertificação é uma realidade há dezenas de anos mas, no estado a que chegámos, tende a agudizar-se e a ganhar contornos que a todos devia preocupar. Devia, mas, infelizmente, não é isso que parece estar a acontecer. Não se preocupam os que cá – no interior – estão, nem, ainda menos, os que não estão.
Talvez, digo eu que gosto muito de dizer coisas, emparedar os prédios devolutos e em ruínas não seja a melhor solução. Isto porque há crânios iluminados que defendem a tributação agravada dos imóveis que se encontrem nesta situação. Perante tão inteligente ideia acredito que será preferível doar as casas às Câmaras das respectivas terras. Depois, quando estas não receberam nada de IMI e já não tiverem dinheiro nem para se endividarem, queixem-se dos ataques ao poder local. Democrático, dizem eles. Pode é já não haver eleitores para os ouvir.

sábado, 28 de abril de 2012

Ainda que mal pergunte...


Desde que estamos sob intervenção da troika – os gajos que estão cá para nos ensinar a pagar as nossas dívidas – que tem sido produzida inúmera legislação visando reduzir a despesa do Estado e diminuir o montante que este deve aos seus fornecedores. De todas a mais conhecida, de tão polémica, é a Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso. Não que dela resulte nada de especial, para além dessa coisa estranhíssima aos olhos de alguns que é comprar apenas quando existe dinheiro para pagar.
Esse conceito, tão absurdo para a maioria dos gestores das entidades públicas, é aquele que tem merecido mais contestação – vá lá saber-se porquê – e que tem ofuscado outros aspectos curiosos que, pelo menos a mim, causam profunda indignação. Nomeadamente na parte em que a lei, no caso o Orçamento do Estado, obriga municípios e freguesias a utilizar o dinheiro que deixa de ser pago aos funcionários a título de subsidio de férias e natal, para reduzir a divida. Menos mal, dirão alguns. Entre os quais me incluo, diga-se. No entanto, ainda que mal pergunte, para onde vai o dinheiro das Câmaras e Juntas que não devem nada a ninguém?! Pode argumentar-se, entre outras coisas, que não serão tantas assim. Mas, de certeza, o seu número não é meramente residual e o valor em causa ainda menos. Eu, que não sou de intrigas, tenho um palpite – dois ou três, até - quanto ao seu destino. E é a quase certeza de acertar que aborrece.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Investimentos das arábias


A existência de duas bandeiras sarracenas hasteadas numa unidade industrial de transformação de mármore nos arredores de Estremoz quererá dizer, muito provavelmente, que por ali manda aquela malta oriunda de países onde é moda andar de toalha enrolada à cabeça. Ou, como se diz agora, significará que estaremos em presença de mais um caso de investimento estrangeiro.
Não é que a origem das bandeiras, do capital ou dos tipos que resolveram apostar nas nossas pedras, me incomode. Antes pelo contrário. Congratulo-me por aquele espaço, depois de largos anos de abandono, estar de novo a laborar e contribuir para a existência de alguns postos de trabalho. Até porque se o dinheiro não tem pátria, menos terá ideologia ou religião.
Apenas uma questão me inquieta. Ou, antes, me deixa curioso. Será que estes fulanos também serão gajos para investir nos vinhos e nos enchidos?

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Vira-lata


Será, porventura, um cão tão bem treinado que até é capaz de levar o lixo para o contentor? Ou, talvez, uma vítima canina da austeridade não menos canina que por cá vai grassando e que obriga o pobre animal a procurar comida entre os restos que ali foram despejados? Provavelmente nem uma coisa nem outra. Apenas um canito que, na falta de conseguir fotografar a fazer a habitual cagada no passeio, surpreendi hoje de manhã nesta pose pouco vulgar. Como somos praticamente vizinhos um destes dias ainda o apanho a arrear o calhau.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Felizmente já não há foguetes.


Todos os anos por esta altura a comunicação social, na falta de melhor, faz questão de nos lembrar como se vivia antes de 25 de Abril de 1974. Invariavelmente enfatiza os hábitos, costumes e leis parvas que então vigoravam, transmitindo-nos a ideia que foi graças aos acontecimentos daquele dia e dos que se seguiram que hoje vivemos muitíssimo melhor, livres de um legislador ridículo e caquéctico. Tudo isto sem o conveniente distanciamento ou enquadramento no tempo que então se vivia. O que já não acontece relativamente aos tempos que se seguiram. Perante os crimes, a parolice – de que o gajo da ferramenta no documentário sobre a ocupação da herdade da Torre Bela, é um magnífico exemplo – e as selvajarias então cometidas, existe uma ternurenta condescendência e a constante preocupação em nos recordar que, então, vivíamos tempos conturbados, tínhamos ânsia de liberdade e que estávamos todos a aprender a viver em democracia. Seja lá o que for que tudo isso queira dizer.
Vivi os últimos anos do regime anterior e tenho memória de como eram as condições de vida de então. Obviamente que hoje – pelo menos até agora – vivemos incomparavelmente melhor, em todos os aspectos, do que antes daquela data. Mas seria inevitável, mesmo sem golpe de Estado, que as coisas acabassem por mudar. Tal como ocorreu em Espanha e nos países da Europa de leste. A ditadura tinha os dias contados e, de certeza, teríamos tido uma transição para a democracia sem sobressaltos nem destruição do tecido económico e financeiro do país. Prefiro dizer, mesmo sendo politicamente incorrecto – prática de que não abdico - que estamos muito melhor apesar do 25 de Abril. Por enquanto.
Daí que não veja grandes motivos para comemorar a data. Congratulo-me, até, por os festejos anuais serem agora bastante mais discretos do que há uns anos atrás. Será mesmo da mais elementar justiça deixar aqui um grande bem-haja a quem teve a sensatez de acabar com o foguetório que assinalava a ocasião. Estoirar -  principalmente daquela forma inglória - o dinheiro que  a todos custa a ganhar é coisa de um passado que, à semelhança do outro, também se quer distante.