domingo, 30 de setembro de 2012

Endividar-se é um direito adquirido!



Ainda há quem não tenha percebido a realidade que em vivemos e insista em pensar que pode continuar a fazer a mesma vida de sempre como se – bem ou mal, isso agora não vem ao caso – nada se tivesse passado. O pior é que são pessoas com responsabilidades directas pelo estado a que chegámos, que esturraram dinheiro como se não houvesse amanhã e que agora – pasme-se – exigem que lhes seja permitido continuar pelo mesmo caminho. Ou seja, gastar o que não podem pagar e continuar a endividar alegremente o país.
Estou a referir-me, entre outros, aos autarcas portugueses. Reunidos ontem em congresso aprovaram uma moção que exige – o termo é particularmente interessante e revelador da solidariedade que manifestam para quem está a “penar” com as medidas de austeridade – a revogação da lei dos compromissos, que os impede de contrair mais dividas do que aquelas – muitas – que já fizeram e que não são capazes de pagar. Alegam, entre outras coisas, ingerência do poder central da autonomia dos municípios e que a dita lei coloca em causa a governabilidade das autarquias. Tudo porque – que ideia mais parva – a legislação em vigor desde Fevereiro apenas permite adquirir aquilo que se pode pagar no prazo máximo de 90 dias.
É por demais óbvio, que a preocupação essencial da maioria dos autarcas que protesta são as próximas eleições autárquicas e a dificuldade, para os que se preocupam com a legalidade das suas decisões, em ter obras para inaugurar por essa altura. Se assim não fosse batiam com a porta e iam-se embora ou, na pior das hipóteses já não se candidatam a próximo mandato. A opção que chegou a ser sugerida – e que teria imensa piada – seria levar a população a manifestar-se em sua defesa contra o que chamam de asfixia do poder local. Teria, repito, a sua piada. Com alguma sorte contariam com alguns funcionários para a manifestação. E era preciso que fosse durante o horário laboral…

sábado, 29 de setembro de 2012

Vou esperar sentado



Por estes dias muitos municípios estão a aderir ao PAEL. Um programa que, recorde-se, vai permitir às autarquias aderentes pagar parte significativa da divida antiga e, ao mesmo tempo, constituirá uma espécie de balão de oxigénio que permitirá continuar a mesma vidinha que têm vindo a fazer ao longo dos últimos vinte anos. Ou seja contrair mais dívidas. Em consequência da adesão a esse programa governativo o IMI, o preço dos diversos serviços cobrados na factura da água e todas as taxas municipais serão substancialmente aumentados.
Não satisfeitos com o esbulho que os cidadãos estão a ser vitimas os autarcas, reunidos em congresso, segundo as noticias veiculadas pela comunicação social estarão a estudar a hipótese de introduzir novas taxas. A pagar pelos munícipes, obviamente.
Aguardo que, a qualquer momento, os manifestantes que por esta hora desfilam até ao Terreiro do Paço comecem a gritar palavras de ordem contra todas estas medidas que nos vão roubar mais um mês de salário por ano. 

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Somos mesmo espertos



O nível de conhecimento acerca dos seus direitos evidenciado pelos portugueses é verdadeiramente notável. Raro é o dia em que nas televisões não aparece alguém a reclamar “os meus direitos”, por vezes em circunstâncias dramáticas – reconheça-se – mas com um tom, por mais justo que seja aquilo que reclama – e, sublinho, admito que a matéria reclamada constitua algo da mais elementar justiça – dá logo vontade de embirrar. Podiam, acho eu, reclamar tão-somente que se cumpra o que a lei prevê na situação em causa. Mas não. Enchem a boca com “os meus direitos” e isso, visto de fora, provoca de imediato a sensação de que a frase estará incompleta pela falta de alusão à parte dos deveres. Que, parece-me, devia andar sempre associada aos direitos.
Mas se muitos terão motivos mais do que suficientes para invocar os seus direitos, outros há que quando o fazem mais valia estarem calados. Foi o caso de um gajo, entrevistado por uma televisão que acompanhava a acção de uma equipa de fiscais da Carris, apanhado a viajar de autocarro sem estar munido do respectivo título de transporte. O homem, apesar do aspecto parecer evidenciar que não trataria de alguém especialmente letrado, falou com desenvoltura dos direitos que lhe assistiam, mostrando um vastíssimo conhecimento da legislação aplicável à infracção que acabara de cometer. Garantido que pagar a coima não era com ele e que daí não adviriam consequências de nenhuma espécie.
Somos, parece licito concluir, um povo que sabemos tudo acerca dos nossos direitos e que, tal como escrevi aqui, adoramos o dever. Assim mesmo. Os primeiros no plural e o segundo no singular. Somos mesmo espertos.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Há muita falta de memória...



Manuela Ferreira Leite caiu, finalmente, nas boas graças dos portugueses. O discurso, em tom mais ou menos arruaceiro, agradou à generalidade dos que se não revêem nas actuais opções políticas de quem nos governa e o descontentamento daí decorrente acabou por fazer o resto.  Rapidamente se esqueceram umas quantas tiradas mais ou menos infelizes - como a suspensão da democracia ou a hemodiálise para os velhotes ficar reservada só para os que a possam pagar – e vá de elogiar a clarividência da senhora. Seja pela sua quase disponibilidade para participar em manifestações ou, principalmente, pela feroz defesa que a criatura fez dos reformados. Os tais que, ainda um destes dias, ela achava que só deviam ter acesso a tratamentos médicos se os pagassem.
Devo ter sido o único, de entre os que não gostam de Passos Coelho, a achar as declarações da porta-voz de Cavaco um verdadeiro disparate. Um conjunto de baboseiras, a bem-dizer. Primeiro porque me lembro que foi a senhora, no tempo em que ocupou o lugar de ministra das finanças, a congelar o vencimento dos funcionários públicos para, ao que à época argumentava, controlar o défice. O resultado é sobejamente conhecido. Tal como agora, o desequilíbrio das contas não parou de aumentar. E, convém não esquecer, tomou a mesma medida dois anos consecutivos. Como aquele médico que lhe serviu de exemplo, também ela insistiu na receita apesar do estado de saúde do paciente se ter agravado.
Depois a questão das reformas. Num momento de rara sagacidade, a ex-lider do PSD comparou os descontos que os trabalhadores fazem ao longo da vida a um depósito bancário. Sugerindo que, por isso, as pensões não podem ser cortadas dado que o dinheiro que os pensionistas estão agora a receber é o que foram, ao longo da vida contributiva, entregando ao Estado. Não é, obviamente, assim. A segurança social não funciona num sistema de capitalização do tipo PPR. Quem trabalha faz os seus descontos e estes servem para pagar aos reformados de hoje esperando que, no futuro, a geração seguinte faça o mesmo.
Percebo que a senhora não goste de ver a sua pensão diminuída e aproveite o tempo de antena que lhe dão para puxar a brasa à sua sardinha. Não precisa é de ser demagoga – até porque a sua carreira política já acabou – nem querer fazer dos outros parvos. Teve, enquanto interveniente na vida política, sobejas ocasiões para fazer alguma coisa pelos reformados que vivem com reformas de miséria e, por mais que me esforce, não me ocorre nada de bom a que possa associar o seu nome. Pena que, tal como dizia o outro, haja tão fraca memória na politica e nos políticos. E nos portugueses de uma maneira geral.

domingo, 23 de setembro de 2012

O dever acima de tudo



Esta crise que nos atormenta é culpa nossa. De todos os portugueses em geral e de alguns em particular. Embora, como em tudo na vida, uns sejam mais culpados do que outros e a esmagadora maioria não passe de miseráveis cúmplices. Grupo este – o último – em que vergonhosamente me encontro incluído. E nem sequer é pelo facto de, no passado, ter votado nos que lá estiveram, nos que lá estão agora ou, no futuro votar nos que hão-de ir para lá continuar a afundar o rectângulo. Digamos que sou cúmplice porque, cobardemente, nunca fui capaz de espetar um par de murros nos cornos dos políticos quando eles anunciaram a intenção de realizar as obras onde esturraram muitos milhares de milhões. Quem diz eu, diz os outros quinhentos mil que andaram por aí a manifestar-se um destes dias.
Há, depois, a questão dos princípios pelos quais nos regemos. Achamos, por exemplo, que o dever está acima de tudo. Ao pagar ninguém dá importância nenhuma e, como toda a gente sabe, está na nossa escala de valores cá muito por baixo. Fazemos mesmo gala em afirmar que pagar e morrer é a última coisa que se faz na vida. Temos, também, em elevada conta aqueles que morrem no cumprimento do dever. Dos que pagam, desses, nem reza a história. Repare-se igualmente como o pagamento está sempre associado a uma espécie de penitência. Já o dever é, em muitas circunstâncias, quase confundido com um direito. Podia continuar por mais umas linhas a lembrar o quanto o dever é enaltecido entre nós em detrimento do pagamento. Mas não posso. O dever chama-me.