quinta-feira, 12 de julho de 2012

Cuidado com o que desejas


Que qualquer paspalho vomite as suas opiniões deprimentes ou destile os seus ódios de estimação contra os funcionários públicos, não é coisa que me provoque a mais pequena reacção ou que constitua, sequer, motivo para a mais ténue indignação. São vozes de burro e, como tal, voam baixinho.
O que me deixa verdadeiramente transtornado são afirmações da mesma natureza, proferidas de forma convicta, por gente com responsabilidade na sociedade e que, em principio e se estiver no seu perfeito juízo, tem obrigação de saber o que diz. A menos que esteja de má fé, a tentar com as suas declarações influenciar quem tem de tomar decisões ou, de alguma forma, a preparar o terreno para a implementação das medidas que preconiza.
Foi o caso de um velhote de cabelo branco, sobejamente conhecido - pelas piores razões - da generalidade do público, que num momento de rara sagacidade e de notória indignação pelo chumbo do Tribunal Constitucional ao corte dos subsídios de férias e de Natal, apelou ao primeiro-ministro para aplicar integralmente o Código do Trabalho à função pública. Já que se pretende equidade, acrescentou, então que ela seja plena e as regras do trabalho sejam iguais para todos. Não que a ideia me pareça de todo mal. Suscita-me apenas umas quantas dúvidas. Vejamos o seguinte exemplo: Se num restaurante alguém dá uma gorjeta ao empregado com o intuito de conseguir uma mesa antes dos demais clientes, isso não constituirá nenhum crime. É má educação, apenas. Igual procedimento num serviço público é absolutamente intolerável. Pelo menos no actual quadro legislativo. Noutro, nomeadamente o sugerido pelo tal velhote, não estou assim a ver porque há-de continuar a ser…
Pena que o fulano em causa – um tal de Catroga, ou lá o que é – não tenha ido mais longe na proposta de equidade. Podia ter sugerido que fosse criada legislação que punisse os políticos pelos actos de gestão que tomam no âmbito das suas funções. Nem precisava de ser particularmente inovador. Bastava que fosse lhes fossem aplicadas as mesmas leis que se aplicam a qualquer cidadão que não sabe gerir a sua empresa.

terça-feira, 10 de julho de 2012

O que faz falta é animar a malta (pelo menos alguma, porque a que está a "arder" não deve achar piada nenhuma)


O país está em festa. De norte a sul – ou de sul a norte para quem vai em sentido contrário – abundam os cartazes a anunciar artistas consagrados, populares e de reconhecidos méritos. Pelo menos na opinião de quem os promove e procura cativar a putativa audiência. Quase sempre com o alto patrocínio da autarquia lá do sítio. Às vezes a mesma que se lamenta de, por força dos cortes do governo, não ter dinheiro para as despesas com os transportes escolares e que ameaça deixar as criancinhas a pé.
Plásticos pendurados em árvores, postes e tudo o que sirva para pendurar, a anunciar todo o tipo de festas e festivais também é coisa que não falta. Principalmente, por esta altura do ano, os dedicados à juventude. Mesmo em terras onde quase não existem jovens. Sempre com os artistas preferidos da malta nova, como está bem de ver, pagos a peso de ouro. Invariavelmente, neste ramo, a organização está a cargo do município lá da terrinha. Até daquelas onde o respectivo presidente garante estar proibido, por uma lei manhosa qualquer, de comprar um prego e que, portanto, não pode assegurar o pagamento das refeições escolares das criancinhas culpando os malandros do governo caso os petizes se queixem de larica.
Acho muitíssimo bem que o país festeje. Seja lá o que for que haja para festejar. Tristezas não pagam dividas e andar macambúzio também não ajuda a pagar calotes. Agora esturrar o dinheiro que devia servir para pagar dívidas e calotes, em festas, festarolas e festivais, é que já não parece atitude digna de festejo.

domingo, 8 de julho de 2012

Estamos todos (a afundar) no mesmo barco


Está de novo ao rubro a troca de argumentos – insultos, digamos – acerca das desigualdades entre trabalhadores do privado e do público. Se antes foram os primeiros a manifestar o seu regozijo por os segundos ficarem sem dois meses de vencimento, agora são os últimos a não esconder a satisfação por, ao que tudo indica, o roubo passar a ser generalizado e não vitimizar apenas quem trabalha para o Estado.
Por mim é um peditório para o qual não dou. Revolta-me, naturalmente, ser espoliado daquilo que me pertence mas isso não me faz desejar o mal dos outros. Tenho até alguma dificuldade em perceber porque razão alguém se pode alegrar com o facto de outro ser vítima de um crime desta natureza. Ou de outra.
Parece lógico que se não me pagarem também não gasto o dinheiro que não tenho - obviamente que não me vou endividar para comprar aquilo que não posso pagar – e isso, como se afigura fácil de perceber, contribuirá para que aqueles que vendem também tenham algum tipo de dificuldade em cumprir as obrigações perante os seus empregados. Digo eu, embora com tanta gente a achar o contrário o mais provável seja o meu raciocínio carecer de fundamento ou partir de algum pressuposto errado.
Os benefícios no campo da saúde de que gozarão os funcionários públicos têm sido também um dos insultos mais utilizados. Convém esclarecer que, para receber as comparticipações pelos actos médicos, os beneficiários da ADSE têm primeiro que os pagar na íntegra. O seu reembolso demora, em regra, alguns meses o que faz com que quem não tenha dinheiro para suportar a despesa recorra, como todos os outros, ao serviço nacional de saúde e acabe por não usufruir do sistema. Embora desconte na mesma. De salientar, também, que uma consulta de especialidade numa entidade com acordo coma ADSE - Hospital da Luz ou da Misericórdia de Évora, por exemplo - custa 5 euros ao utente e 14,97 euros ao Estado. Desconfio que num hospital público é coisa para ter um custo cinco ou seis vezes maior. A pagar por todos nós. Acho eu.

sábado, 7 de julho de 2012

Burrice, qualidade exigida para opinar nas televisões.


A decisão do tribunal constitucional acerca do confisco dos subsídios de férias e de natal dos funcionários públicos - dos que ganham mais de seiscentos euros por mês, porque os outros escaparam ao roubo – tem motivado um conjunto de reacções deveras curiosas. A começar pela do governo. Como era notório estava com a batata quente do défice entre mãos, a necessidade de novas medidas era mais do que evidente e, assim de repente, a solução é-lhe servida sem grandes custos políticos. Este acórdão vem permitir-lhe aumentar o saque, atirando para outros a culpa de medidas que teria, inevitavelmente, de tomar.
Depois as reacções dos comentadores que pululam pelas televisões. Uma escassa minoria revelou alguma lucidez na análise, mas a grande maioria reagiu com os argumentos simplistas de quem não aprecia que lhe vão ao bolso. Pior do que isso foi o destilar de veneno contra os funcionários públicos. Quase aquele tipo de conserva, “por causa daqueles palhaços vou eu agora ter de pagar”. Coisa que se for eu a dizer, que não passo de um alarve, não vem mal ao mundo, mas gente daquela, capaz de fazer opinião – pelo menos entre os mais parolos – devia ter um bocadinho de tento na língua.
As declarações a propósito deste assunto atingiram um nível de burrice verdadeiramente assustador. Incluindo as proferidas pelo líder parlamentar do ex-partido do táxi. Fico-me apenas por uma, entre as inúmeras que se podiam citar, que ilustra na perfeição a qualidade das elites pensantes e os conhecimentos que evidenciam acerca do país que governam ou relativamente ao qual revelam um inquietante frenesim opinativo. Para eles pode-se cortar dois meses de ordenado aos funcionários porque estes não podem ser despedidos, ao contrário do que acontece no sector privado. Os ignorantes desconhecerão certamente que na função pública existem dezenas de milhares de contratados a prazo que, tal como os restantes funcionários, são vitimas do roubo de dois meses de vencimento. Assim de repente parece-me – se calhar é por não ter nenhum curso desses da moda – que a estabilidade de um vinculo laboral titulado por um contrato a prazo, ainda que outorgado com o Estado, é capaz de ser ligeiramente diferente, para pior, do que um contrato de trabalho sem termo numa qualquer empresa. Mas isso sou eu que, ao contrário dessa malta, ando a dizer há anos que cortar salários provoca sérios estragos na economia.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Doutores da mula ruça


Afinal – a acreditar no patrão lá da chafarica onde o Relvas terá ido buscar o diploma – licenciados da treta é o que não falta por aí. Não admira pois que tenhamos chegado a este triste estado. Temos sido – e o mais certo é continuar assim – governados por burros, preguiçosos e oportunistas que não estiveram para perder tempo com essa maçada que é tirar um curso, preferindo aproveitar uma oportunidade jeitosa para arranjar um canudo.
Pensava eu, mas claro que ninguém me manda ser ignorante, que essa coisa do reconhecimento de competências era apenas para as novas oportunidades. As tais que o PSD ridicularizava e que, pela boca do seu líder, prometeu extinguir ainda em campanha eleitoral. Contudo, até para participar nessa festa que foi a distribuição de diplomas e computadores, era preciso fazer uns quantos trabalhitos. E o papel a garantir que o portador possuía o ciclo de ensino pretendido só era conseguido após uma “entrevista” em que um avaliador, em amena cavaqueira com o candidato, o interrogava acerca da sua alegada experiência de vida. Portanto, como se vê, existia nas novas oportunidades um grau de exigência substancialmente mais elevado do que aquele de que terão beneficiado umas centenas de espertalhões.
Diz que está tudo na lei e que, no limite, uma qualquer besta pode entrar no edifício da universidade sem saber uma letra e sair de lá doutor. Ainda que nem por isso menos besta. Tudo dependerá da competência demonstrada relativamente à área em que se pretenda diplomar. No caso da Ciência Política não será nada de mais. Bastará ter sido militante mais ou menos activo de um partido e a coisa estará feita. Se colou cartazes e distribuiu panfletos, bonés ou aventais então o douramento, provavelmente, será garantido. Esta legislação pode, no entanto, levar-nos muito longe. Conduzir-nos por caminhos sinuosos, mesmo. Não estou a ver, por exemplo, como se poderia recusar a uma beata uma licenciatura imediata em Ciências das Religiões, como se negaria a um vereador desse pelouro um mestrado em Urbanismo e Gestão do Território ou a uma actriz porno um doutoramento em Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia. Ou, já agora, a mim próprio uma pós-graduação em Fotografia. Na variante merda de cão, obviamente.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Discriminações selectivas


Um prestigiado jornal nacional, daqueles de referência, anunciou na sua página na internet que irá enviar às autoridades denúncias sobre comentários feitos no seu site que indiciam a prática de crimes de discriminação racial previstos no Código Penal.
Lá terão, os administradores do espaço em questão, as suas razões. Mas, mesmo desconhecendo o teor dos alegados escritos discriminatórios, não me parece grande ideia. Uma caixa de comentários, ainda mais quando permite o anonimato, se não for gerida por alguém que filtre os textos antes de permitir a sua publicação, não passará de uma espécie de parede de casa de banho pública antes da moda dos paneleiros deixarem lá os seus contactos. Logo é capaz de a gerência do site poder não estar assim tão isenta de responsabilidade quanto a intenção de denunciar possa dar a entender.
Atendendo ao que se lê por essa internet fora, atitudes deste tipo suscitam-me sempre algumas dúvidas. Existem uma série de preceitos constitucionais garantindo, entre outras coisas, que ninguém pode ser discriminado em função da sua origem ou opções de vida. Daí que me seja difícil perceber porque raio tecer considerações depreciativas relativamente a um cidadão de pele escura ou cigano pode ser discriminatório e, até, configurar um crime, mas se ditas em relação a um alentejano constituem motivo para risota e consideradas humor do mais requintado. Ou, mais flagrante ainda, se eu escrevesse que “limpo o cú ao Corão” seria facilmente acusado de islamofobia, discriminação religiosa e de intolerâncias várias. Contudo, se substituir o livro sagrado do islão pela bíblia, o mais provável é a minha escrita ser considerada do mais fino recorte literário.
Neste contexto, acho que escolher o que é ou não discriminação é um acto, também ele, discriminatório. Por estas e por outras tenho cada vez menos paciência para este tipo de virgens ofendidas e com a mania do politicamente correcto. Que vão todos bardamerda. A continuar assim um destes dias teremos de começar a olhar para o lado antes de pronunciar expressões tão inocentes como, por exemplo: “Um olho no burro e outro no cigano”, “trabalho como um mouro” ou “só tenho pretos” quando nos quisermos referir às moedas que temos na carteira.